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Quero ser uma cientista!

Atualizado: 20 de nov. de 2019

(Esta é uma reflexão sobre a minha jornada acadêmica até agora. Sem glamour e sem "uma história de sucesso". Apenas, a realidade...)



Na verdade, não foi exatamente isso que eu respondi quando os meus pais me perguntaram o que eu gostaria de ser quando crescer...


Eu não me lembro da minha idade, mas vou chutar que eu tinha entre 7 e 9 anos. Eu perguntei algo parecido com - "Mãe, quem trabalha com a natureza é o que?" Ela me respondeu - "Biólogo, filha". "Então, eu quero ser bióloga!"


Desde esse dia, isso não saiu da minha cabeça - exceto por um curto período, quanto eu estava me preparando para o vestibular, e surgiu uma dúvida. Mas, no final, fui lá eu fazer o curso de biologia. Afinal, eu havia passado para a Universidade Federal do Espírito Santo (UFES)!


Como uma boa sonhadora que eu era, achei que ia dar tudo certo, ser tudo lindo...Foi, mas, até um certo ponto. Eu terminei o curso de bacharelado em Ciências Biológicas, mas, eu queria mesmo era ser doutora e cientista. Então, fui atrás de um mestrado. Consegui logo depois de me formar! Terminando o mestrado, tentei o doutorado. Mas, desta vez, não deu certo de primeira...E nem de segunda. Nesse interím (de dois anos), fui professora de curso técnico de meio ambiente e de inglês. Mas, na terceira vez, eu fui aceita no Programa de Pós-doutorado em Ciências Biológicas da UFES.


Orientada pelo mesmo professor da graduação e do mestrado, lá estava eu, com a corda toda, perseguindo o meu sonho. Mas, no meio do caminho, várias dúvidas surgiram, e a maior delas foi: será que eu vou conseguir seguir uma carreira de cientista? Essa pergunta é a mais comum entre os 99% dos doutorandos.


Bem, já se passaram cinco anos e meio desde que terminei o meu doutorado em Biologia Animal (atuo na área de ecologia e conservação de espécies). Então, você me pergunta: conseguiu chegar onde queria? Hum, pois é. Minha resposta é, "ainda não!" Estou no meu segundo pós-doutorado, que desenvolvo na UFES (para o meu primeiro, fui para a Universidade de Duke, nos EUA) e ainda faço a mesma pergunta de antes...será que vou conseguir?


São muitos os obstáculos para se alcançar o sonhado trabalho remunerado não temporário científico-acadêmico. Primeiro, o mercado de trabalho é pequeno. Quem quer ser um cientista no Brasil, deve saber que as oportunidades são enxutas e a concorrência é forte. Segundo, deve-se ter uma dedicação fenomenal. Muitas vezes, trabalhamos por horas e dias seguidos, para terminar algo no prazo. Temos que publicar o máximo de artigos possível anualmente (sério, mal consigo publicar três artigos em um ano!). E terceiro, o caminho é longo...Muito longo. Bem, muitas pessoas têm sorte e conseguem o emprego dos sonhos ainda novo, lá no início dos seus 30 anos (sim! Com essa idade você é considerado muito novo na área científica-acadêmica!). Mas, a maioria dos cientistas só conseguem esse feito, perto ou depois dos seus 40 anos! E aí, é que vem o desespero...


Por que, então, seguir uma carreira tão difícil se, para alcançá-la, é necessário esperar por tanto tempo? Não estaríamos, nós, perdendo o nosso tempo? Seria por causa do dinheiro e status? Na verdade, para você ganhar bem e ter uma certa fama na sua área, são necessários anos e anos de persistência e dedicação (algo em torno de 10 e 15 anos, após a graduação). Você não ficará rico muito jovem e, muito menos, famoso.


Mas, nem sempre aqueles que seguem por esse caminho, continuam. Alguns desistem porque percebem que não possuem afinidade com essa carreira. Outros, se veem obrigados a deixar esse sonho, porque simplesmente sofrem com a pressão. Pressão da família, que fica cobrando por um emprego mais estável, pressão da sociedade, que vê os cientistas não empregados como eternos "alunos" e pressão individual, pois não conseguem começar a vida enquanto não tiverem um emprego certo. E, para piorar, não recebemos um bom valor para o qual estudamos e investimos tanto do nosso tempo, e muito menos temos qualquer direito trabalhista, como décimo terceiro, férias remuneradas e INSS (mais informações nesta discussão no twitter e neste vídeo).


Já os outros "loucos", que continuam a perseguir essa carreira, se agarram com unhas e dentes no trabalho, ou são iluminados demais para manter o otimismo vivo. Muitos, por amor à ciência. Alguns dos que trabalham muito, acabam se esquecendo da vida social e familiar, o que pode ser um perigo para se manterem sãos. Por isso, vários aspirantes a doutores, ou os já doutores, estão na estatística dos casos de depressão na academia.


O que nos resta então? Vejamos agora o lado bom de estar neste limbo acadêmico (no meu caso, o pós-doutorado). Aprendi que viver de bolsa não é de todo ruim (desde que eu esteja com uma). Olhando pelo lado positivo, um pós-doc recebe mais do que 90% da população brasileira. Então, me sinto priveligiada quando eu consigo uma bolsa de pós-doutorado (adoro essa reflexão feita pelo Prof. Marco Mello da UFMG). Além disso, tenho a liberdade, até um certo ponto, de fazer os meus próprios horários, trabalhar em casa em alguns dias, e planejar viagens em qualquer época do ano (desde que isso não interrompa as minhas coletas de dados e o meu trabalho! Afinal, sou muito responsável!). E, claro, trabalho com o que eu gosto!


Como eu ou você, que estamos no mesmo caminho, podemos conseguir a tão sonhada carreira? Meu amigo, eu lhe digo que ainda não sei. Mas, posso te garantir que já passei por várias dessas fases comentadas neste texto. E, ainda, não desisti por completo. (Toda vez que eu pensei em desistir, veio aquela afirmação de que eu não sei fazer outra coisa). Então, o que sobrou para mim, foi um otimismo que devo renovar a cada ano, juntamente com aquela reflexão profissional que deve ser feita de tempos e tempos. E ter forças para me dedicar, sem me afastar dos amigos, da família e da diversão.


E é assim, com esse pensamento, que continuo nesta vida. Aquela menina sonhadora que disse que queria ser bióloga desde seus 7-9 anos, já não vive mais numa ilusão, mas transformou-a em persistência. Não sei se um dia conseguirei o meu emprego dos sonhos, mas acho que estou muito mais perto de chegar nele a cada dia!



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